O NOME DE LAGOS APARECE PELA PRIMEIRA VEZ NAS INQUIRIÇÕES DE DOM AFONSO III

 

Nos arredores de Lagos da Beira há vários vestígios arqueológicos próprios do início do neolítico. Abrigos cavados

na rocha, escadas de acesso a possíveis pontos de observação ou locais de cerimónias religiosas não deixam dúvidas em relação à presença humana em épocas tão remotas. Estes monumentos mereciam ser alvo de estudo mais aprofundado. Pela localização geográfica tudo indica que se tratava de uma civilização castreja. Os castros situavam-se em pontos altos que permitiam uma melhor observação e defesa contra possíveis inimigos. Foi a evolução da agricultura que levou as pessoas a procurarem mais os vales junto aos rios onde os terrenos são mais férteis. Dou o exemplo da vizinha aldeia de Meruge. Havia um povoado no alto de São Bartolomeu e outro no alto de Santa Catarina, mas a povoação acabou por se desenvolver nas margens do Rio Cobral. A existência de algumas sepulturas antropomórficas prova que a região de Lagos continuou a ser habitada durante a ocupação romana e muçulmana.

 

O nome de “Lagos” aparece pela primeira vez em documentos nas inquirições de D. Afonso III. Foi testemunha deste acto um lagoense de nome Pêro Garcia. A povoação chamava-se então São João de Lagos. Na época seria um domínio feudal. O povo vivia em torno de um largo onde se desenvolvia o comércio (Actual Largo da Praça ou Praça do Eiró) e num ponto mais afastado havia a igreja e a habitação do senhor da terra. A principal actividade era a agricultura.

 

Teoria – De onde vem o nome “São João de Lagos”? Note-se que nesse tempo a vizinha povoação de Ulveira D’espital pertencia à Ordem dos Hospitalários ou de São João de Jerusalém. É natural que nesta altura já eles tivessem alargado os seus domínios até terras de Lagos e naturalmente dado o nome de São João à povoação. Esta teoria já foi avançada pelo Dr. Tarquínio Hall no seu livro “Lagos da Beira – Subsídios para a sua história”. Poderá ficar assim explicado o nome de “São João”, mas e Lagos? De onde vem esse nome? Só um geólogo poderia dar crédito à minha ideia. A povoação é atravessada por um pequeno ribeiro que já pode ter sido de muito maior caudal. A fonte de S. João é alimentada por uma boa nascente. É natural que ali houvesse em tempos um ou vários pequenos lagos que secaram com a diminuição do caudal do ribeiro ou com o depósito de sedimentos nas margens. Isto é apenas uma teoria baseada na observação do local. Carece de fundamento científico.

 

DOM JOÃO I

O Julgado de Lagos pertenceu à fidalga dinastia dos Freires de Andrade, Senhores da Bobadela por doação de D. João I em 1386.

 

D. João I, filho era filho bastardo de D. Pedro e de uma dama galega. Foi educado por um fidalgo da Galiza de nome: Nuno Freire de Andrade. Este solicitou para o seu educando o cargo de Mestre da Ordem de Avis. D. João ao ser aclamado Rei de Portugal, demonstrando grande gratidão, apressou-se a retribuir com grandes doações e outras mercês à família Freire de Andrade e ao seu avô materno Lourenço Martins.

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 
CASA QUE SERVIU COMO TRIBUNAL E PRISÃO

Note-se que já neste século XIV a povoação tinha grande importância visto que já era um Julgado, ou seja: terra com juiz. Testemunhos deste tempo em que a justiça era aqui praticada chegam até aos nossos dias. O melhor exemplo é a casa onde funcionava o tribunal e prisão considerada de interesse público municipal, mas que se encontra em ruínas originadas por obras do proprietário. (Também aqui importa perguntar onde estará o brasão manuelino que existia numa das suas paredes. Apenas espero que tenha havido algum bom senso, o que até é raro por aqui.).

 

 

RUA DA AMARGURA. AQUI PASSAVAM OS CONDENADOS À MORTE A CAMINHO DA FORCA

A Rua da Amargura deve o seu nome ao cortejo que aqui passava em direcção à forca. Cortejo encabeçado pelo condenado, o juiz, o carrasco e o padre. Por último há a pedra da forca num mato entre Lagos e Chamusca.

 

 

 

 

 

 

DE SÃO JOÃO DE LAGOS A LAGOS DA BEIRA. UMA TERRA COM JUIZ E JUSTIÇA.

Não se sabe quando é que São João de Lagos passou a Lagos da Beira. Ideia infeliz a meu ver e é difícil perceber os motivos de tal mudança. Será que quem de direito queria identificar as povoações com as regiões? Assim explica-se porque tantas terras têm o nome “da Beira”. A hipótese de confusão com Lagos do Algarve está fora de questão. São terras bem distantes e tanto se confundia um nome como o outro. Por vezes surge a ideia de que a mudança de nome teria ocorrido com a formação do Concelho, mas já em 1496, o Julgado de Lagos, tinha o nome actual como atestam os seguintes documentos curiosos e divertidos retirados do site do DGARQ.

 

DOC. 1

 

Título: A Catarina Gomes, mulher solteira, moradora em Covas, termo de Lagos da Beira, foi dada carta de perdão.

 

Data – 1496-03-12

 

Âmbito e conteúdo

A suplicante disse que fora manceba de Pero Gonçalves, prior do bispado de Coimbra, com o qual tivera afeição carnal do que resultaram filhos e filhas. Catarina Gomes fora presa e condenada a pena de ordenação e cumprira degredo e pagara a pena com dinheiro. Depois de tudo isto voltou a pecar com Pero Gonçalves, mas estava arrependida e queria viver honestamente. Pediu que lhe perdoassemos e assim o fizemos, contanto que pagasse 500 reais para a arca da piedade e ela logo pagou a Marcos Esteves, nosso capelão, escrivão do dito ofício que sobre ele pôs em receita. El-Rei o mandou pelos doutores Pero Vaz seu capelão-mor e vigário de Tomar e Fernão Rodrigues do seu conselho, deão de Coimbra, ambos desembargadores do Paço. Brás Afonso a fez.

 

Localização física – Chancelaria de D. Manuel I, liv. 26, fl. 65

 

DOC. 2

Título: Catarina Afonso, mulher solteira, moradora na Andorinha, julgado de Lagos da Beira, enviou dizer que houvera afeição carnal com João Jorge, clérigo de missa, morador nesse julgado, com o qual estivera por manceba teúda e manteúda, e houvera dele filho e filha.

 

Datas – 1496-04-27

 

Âmbito e conteúdo

E porquanto então queria viver bem e honestamente, e temendo-se de ser presa por haver sido manceba de clérigo, pedia lhe desse alguma pena de justiça por o merecer. El-rei, visto um parece com o seu passe, e se era assim como ela dizia, lhe perdoava, contanto que ela pagasse 500 rs. para a Arca da Piedade. E porquanto logo pagou a Simão Vaz, que tinha carrego de os receber pelo Esmoler, segundo um seu assinado e outro de Álvaro Fernandes, mandava que, não tornando ela ao dito pecado, a não prendessem. El-rei a mandou pelos doutores Pero Vaz e Fernão Roiz. Brás Afonso a fez.

 

Localização física – Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 34v

 

Note-se que já Andorinha e Covas pertenciam ao Julgado. Daqui deduz-se que o futuro Concelho de Lagos da Beira devia coincidir com este Julgado. Um curioso concelho de que falarei a seguir.

 

DOM MANUEL I DÁ FORAL A LAGOS DA BEIRA EM 1514

Nos princípios do século XVI Lagos da Beira era uma próspera vila a quem Dom Manuel I concedeu foral a 15 de Março de 1514. Pode considerar-se que era um dos mais importantes concelhos da região. Abrangia as povoações de Travanca de Lagos, Andorinha, Negrelos, Covas, Balocas, o Lugar de Álvaro e o Casal da Póvoa. O cadastro da população do reino de 1527 mostra que o concelho de Lagos era o segundo mais populoso com 232 moradores logo a seguir a Avô que contava com 255. Seguia-se o Seixo com 150, Penalva d’Alva com 126, Bobadela com 126 e só depois vinha Oliveira do Hospital com 110 habitantes. Ainda segundo o mesmo documento, a população encontrava-se assim distribuída: Vila de Lagos da Beira – 55, Travanca de Lagos – 68, Covas – 40, Andorinha – 23, Balocas – 20, Álvaro – 17, Negrelos – 7, Casal da Póvoa – 2. A Chamusca da Beira ainda não existia. Só viria a desenvolver-se com a construção da importante via chamada Estrada Real cujo traçado está na base da actual Estrada Nacional N.º 17.

 

Há aqui a assinalar a integração no concelho de duas freguesias com um passado histórico notável: Covas e Travanca. Covas foi aforada como jugado por Dom Dinis e posteriormente foi elevada a priorado da apresentação da casa do infantado. Travanca é uma povoação antiquíssima de fundação pré-nacional. Já no século X se fala desta vila rústica como limite da vila rural de Midões. Dada a sua importância no concelho de Lagos da Beira e a sua localização geográfica era aqui que tratava de toda a administração, ficando Lagos com o pelouro da justiça. Para se distinguir de outras Travancas passou a adoptar o nome Travanca de Lagos que ainda hoje mantêm.

 

DOM JOÃO IV CRIA A CASA DO INFANTADO

O concelho de Lagos da Beira pertenceu à fidalga dinastia dos Freires de Andrade, senhores da Bobadela, por doação de Dom João I entre 1386 e 1674 fazendo um total de 288 anos. Em 1674, o concelho, foi integrado na Casa do Infantado.

 

A Sereníssima Casa do Infantado foi criada por Dom João IV em 11 de Agosto de 1654. Com esta organização patrimonial pretendia o rei estabelecer bases económicas sólidas e autónomas para o seu segundo filho, o infante Dom Pedro. Esta importante organização passou a contemplar os segundos filhos dos monarcas que se seguiram evitando assim conflitos entre estes e os filhos primogénitos, naturais herdeiros da coroa.

Os primeiros bens integrados na Casa do Infantado foram o Ducado de Beja e os vastos haveres do Marquês de Vila Real que foi executado em conjunto com o seu filho, o Duque de Coimbra, ambos acusados de conspiração contra o rei. Nos reinados seguintes foram-se acrescentado bens à organização de tal forma que se chegou ao ponto em que os infantes seus titulares tinham mesmo uma pequena corte. A Sereníssima Casa do Infantado foi extinta por decreto de 18 de Março de 1834 num período muito conturbado de lutas entre liberais e miguelistas.

 

 

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